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O jeitinho do jornalismo esportivo brasileiro

Posted on 21 de julho de 202321 de julho de 2023

Basta ter jogado meia dúzia de partidas no colégio para saber que o futebol não é um esporte delicado. É agressivo, competitivo e a maioria das brigas ocorriam, ainda ocorrem, em função de uma partida escolar. Mesmo que alguns teóricos de boteco sejam firmes na teoria de que o futebol apenas serve como estopim para que a briga aconteça, o fato é que, num jogo de futebol, o “pau come”.

Reza a lenda que nas primeiras reuniões da FA (Football Association) em uma especulação sobre abolir o chute nas canelas, houve protestos sobre isso ser a essência do jogo. Futebol é jogo de força e uma força, em certa medida, agressiva, física e mental. Fazer força cansa, cedo ou tarde, e uns cansam mais rápido do que outros.

Qualquer tipo de trabalho exige esforço e a energia vai acabar em algum momento. Dentro de um escritório, é preciso manter a mente focada em tarefas de rotina e burocráticas e se manter focado em tempo integral não é tarefa fácil nem viável. Alguns neurocientistas afirmam que tarefas repetitivas só recebem 25 minutos de foco; após esse tempo, a maioria tende a desviar-se para qualquer coisa, um mosquito, por exemplo.

Eis que surge a turma do cafezinho, do cigarro, das redes sociais, apenas para despistar do trabalho fingindo que continua trabalhando. A turma do cafezinho no futebol é tão grande quanto nos escritórios, e da mesma forma, faz-se vista grossa para não colapsar o sistema. É preciso manter a máquina funcionando e ao que tudo indica, é preciso aliviar a pressão para que a temporada chegue ao fim. Considerando apenas o campeonato brasileiro, são 38 jogos. Além disso, temos os campeonatos regionais, Copa do Brasil e Libertadores. Isso significa que um time campeão pode ser obrigado a jogar algo próximo de 60 partidas em uma temporada. É mais do que um jogo por semana. Em alto nível? Sem um cafezinho? Impossível.

Como dizem, “matar o tempo”, é fundamental. Aqui no Brasil, quando a vitória está encaminhada, substitui-se o atacante, aplica-se o controle de bola e vamos assim até o juíz apitar o fim da partida. Todos em busca de um #sextou. Algo muito parecido quando saímos na quinta-feira e no dia seguinte temos que encarar 8 horas de escritório. Os olhos ficam atentos ao relógio.

A turma do cafezinho futebolístico é facilmente compreendida quando avaliamos o calendário e podemos nos compadecer dos atletas facilmente. O problema é o corpo mole dos jornalistas.

Certo é que existe um acordo de cavalheiros para que as simulações de falta e encenações dolorosas dos jogadores não sejam desmascaradas pela (impressionante) imprensa brasileira. O espectador assiste a imagem em close, repetidas vezes, em diversos ângulos diferentes, todos enxergam que é uma farsa, e em raríssimas vezes os jornalistas tocam nesse assunto. Existe excesso de jogo? Sim. Existe excesso de farsa? Sim, também.

Como já falamos muitas vezes por aqui, o jeitinho brasileiro não é algo que nos traga dignidade. É um problema grave e cultural, e claro, culpar alguém ou algum agente por isso seria um equívoco. É um sistema cheio de detalhes e de culpados. Na verdade, somos 220 milhões de culpados.

De qualquer forma, uma parcela significativa desse problema pode ser trabalhada por meio do futebol. O Brasil é o país do futebol, assunto mais popular, aqui, não há. A política sabe disso, as ideologias sabem disso e os jornalistas sabem disso. Mas em níveis mais rasos, como no caso de simulações de jogadores registradas por dúzias de câmeras, fingir que não viu nada indica  apenas mais um jeitinho brasileiro de lidar com a mentira.

Até podemos pensar que jornalistas europeus trabalham com material mais justo para os atletas. Menos jogos, mais estrutura e clareza na estrutura industrial. Mas isso não justifica o péssimo comportamento de jornalistas esportivos que mais se parecem com fofoqueiros de esquina do que profissionais do ramo. A turma do cafezinho sempre existirá e faz parte de qualquer profissão. Atletas precisam trabalhar com o tempo que os joelhos aguentam, mas as atitudes reais, que todos podem comprovar com os próprios olhos, e que têm representado o cafezinho dos jornalistas, é uma distorção sobre o que é ou não real. 

O jornalismo esportivo, principalmente aqui no Brasil, sempre foi um dos melhores métodos para infiltrar ideias e conceitos. De maneira muito sutil, o espectador acredita que está apenas assistindo ao jogo do seu time quando, na verdade, está engolindo um discurso, uma narrativa, alguma coisa imposta para lhe fazer acreditar que a cultura do cafezinho é apenas um traço do brasileiro. O jeitinho é divulgado em todos os cantos desse país; o futebol é um canhão para a cultura do jeitinho brazuca de iludir a própria vida.

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