A gente até pode cobrar um futebol mais tático e obediente do campeonato brasileiro. Assistindo alguns jogos podemos observar no campo um tipo de ansiedade, um certo individualismo, uma certa falta de preparo. Sentados no sofá da sala, com uma lata de cerveja na mão, cobramos acertos de chutes, cobranças de pênaltis, cabeceios, e cobramos a contratação e a escalação de certos atletas. O técnico é burro, quase sempre.
Alguns torcedores até conseguem ligar os pontos, mas a maioria se deixa levar pela emoção. Não conectam todos os aspectos com o que se ouve após os jogos da boca dos atletas. Um texto padrão, que todos decoram, com uma única intenção: não pensar.
Pensar não é o forte dos atletas, e basta você, brasileiro, pensar no que te faz seguir em frente com os pensamentos e estará lá a resposta. A necessidade nos faz pensar mais em como resolver o problema, e aqui no Brasil, a necessidade maior é o dinheiro. Dessa forma, com o dinheiro no bolso, o que resta para esse batalhão de homens que antes não comia direito e agora possuem milhões na conta bancária? Pensar? Pensar cansa, dói, e gasta mais energia do que qualquer outra atividade humana. Pensar é o que eles não vão fazer. E é para isso que os técnicos estão ali; fazer os caras pensarem, pelo menos um pouco.
Dessa maneira, imagine as diferenças de cenário entre Brasil e Europa. Lá os jogadores são pessoas dentro de uma cultura em que as necessidades básicas, em geral, já foram resolvidas. Alguns países passam por guerras e conflitos, outros não possuem terreno para plantar, vivem em conflitos religiosos e sofrem com a falta de água. Mas dinheiro não costuma faltar. Podemos imaginar que quando um jogador atinge bons níveis profissionais, o dinheiro não irá iludir esse profissional. Ele seguirá trabalhando. Podemos imaginar também que um técnico europeu terá mais facilidade para implementar uma estratégia do que aqui, pois os jogadores conseguiram, no berço, pensar um pouco mais além da necessidade do dinheiro.
Um técnico brasileiro, necessariamente, precisa lidar com jogadores que são a esperança financeira de uma família. Muitas dessas famílias foram invadidas pelas drogas, tráfico, prisão, e a cultura é implacável. A cultura constrói tudo. Não há ali a compreensão do trabalho duro que um jogador precisa para seguir na carreira. Mas, existe o anseio pela salvação que muitas vezes o jogador, que ainda nem ascendeu, representa.
Eles vão do norte ao sul do país em busca de oportunidades em times para que possam salvar suas famílias. Uma carga emocional incalculável. O jogador cresce e logo é atacado por primos de quinto grau que precisam de dinheiro. Um jogador é fruto de uma família, e por mais que ele cresça, a cultura da família vai representar um grande peso na carreira deste atleta.
Nos parece fácil observar jogadores que caíram de rendimento e pensar que se trata de um deslumbramento com o dinheiro. É fácil, pois sabemos que com um milhão na mão, chutaríamos o balde para bem longe. Mas a maioria dos atletas vem de famílias pobres, sem preparo emocional para encarar uma nova vida. E os nossos técnicos lidam com esse material. Eles foram contratados para fazer o time jogar, e para isso é preciso ser uma espécie de pai futebolístico: enquanto ensina sobre como se comportar na mesa, mostra algumas coisas sobre futebol.
Acho que não é o mesmo cenário de um Pep Guardiola. Ao que tudo indica, lá é sobre o jogo, sobre tática e desempenho. Não trabalhou direito em campo? Vaza. Fazer isso aqui, além de crueldade, seria contraproducente e o técnico logo enfrentaria um motim dos atletas. Justificado ou não, temos um cenário cultural em nosso país, e os nossos técnicos treinam atletas que são frutos da cultura brasileira.
Claro que temos muitas qualidades, mas ainda temos muitos problemas básicos para resolver.