Nem a guerra, nem qualquer conflito, são desejados ou aguardados por si só para trazer sentido à vida de quem se envolve. Um conflito carente de sentido costuma acontecer na vida de jovens e imaturos, pessoas violentas por natureza, pois ainda não compreenderam os limites da própria força. O amadurecimento tende a colocar essa vontade no lugar certo, ou seja, no fortalecimento de defesas ao invés de investir em confusão irracional carente de sentido.
No entanto, isso se aplica apenas à maioria das pessoas; aqueles que não amadurecem acabam se relacionando com a agressividade de uma forma irreversível. São aqueles meninos que costumam bater nos mais fracos e maltratar animais, ou indivíduos que assumem a vida do crime e da maldade, ou nações que decidem subjugar outras por algum interesse obscuro. É o mal que brota e floresce no coração do homem incauto.
Certamente, a agressividade humana está relacionada à guerra, mas é um equívoco explicar a guerra apenas pela ótica da agressividade.

Em algum momento da história, alguns intelectuais espalharam o slogan: “Faça amor, não faça guerra”1, imaginando que, ao promover mais amor, as guerras seriam eliminadas. Quem discordaria de fazer mais amor ao invés de guerra?
O amor é talvez o nosso maior objetivo como seres humanos, mas é um conceito tão amplo e complexo que não conseguimos explicá-lo sem cometer erros e equívocos.
Na verdade, esses intelectuais estavam se referindo ao sexo, não ao amor. Eles acreditavam, ou queriam nos fazer acreditar, que ao reprimir o sexo nos tornamos pessoas agressivas e agentes de guerra. Dessa forma, libertar-se das amarras da repressão sexual seria a solução para os grandes conflitos.
Esse pequeno slogan é mais do que uma simples frase; é a divulgação de uma mentalidade. Para esses intelectuais, as práticas ocidentais, como o casamento, a paternidade, o trabalho e a frequência à igreja aos domingos, por si só, geram muitos conflitos. Isso se deve ao fato de que o sentido moral cristão leva as pessoas a exigirem mais de si mesmas em todas as áreas da vida. Essa autocobrança, segundo esses intelectuais, começa no intelecto individual e se materializa no coletivo. Portanto, autocobrança seria uma espécie de passaporte para a guerra. E pensando dentro dessa lógica, faz sentido2.
Manter-se no caminho certo é uma batalha diária que começa ao acordar e termina ao adormecer. Para evitar que as tendências negativas prevaleçam, seja para acordar com o despertador, seguir uma dieta ou vencer um vício, encaramos uma lista de confrontos. Será preciso ser duro consigo mesmo, até mesmo cruel, para vencer alguma coisa nessa vida. Acordar cedo pode parecer fácil para alguns, mas não é. Aqueles que buscam corrigir seus próprios desvios, maus hábitos e tendências à infidelidade, assim como a corrupção em todas as suas formas, são agentes de conflitos internos, o que significa que são divulgadores da mentalidade de conflito. Essa mentalidade, exposta a realidade, causaria a grande parte das guerras do mundo.
No entanto, há mais um elemento a ser considerado nessa teoria pacifista. A maioria desses problemas é gerada por homens. Homens que brigam por mulheres, por futebol, por tudo, acabam se tornando generais, presidentes e tiranos. Em contrapartida, as mulheres, em teoria, não são agentes de conflito, e para pacificar o mundo, seria necessário espalhar uma certa aura feminina na sociedade. Homens mais libertinos, por outro lado, inclinam-se naturalmente ao pacifismo e, portanto, não causam tanto tumulto. A lógica torna-se impecável e chega-se ao conceito do “homus libertinus”, uma espécie em ascensão que compreende os benefícios da sexualidade e não se envolve em conflitos políticos, a menos que estejam relacionados à ampliação das liberdades sexuais e à proteção dos animais.
Esse “homus libertinus” não vê necessidade em trabalhar sua masculinidade, musculatura ou considerar a tradição masculina do passado. Ele rejeita os apelos da tradição em prol de uma revolução masculina, revolução esta que parece ter a capacidade de pacificar o mundo. Esse homem acredita que defende as melhores causas já propostas em toda a história do planeta, lutando contra maus-tratos a animais, pela igualdade de gênero e praticando uma espécie de autodepreciação social por considerar-se naturalmente tóxico e digno de extinção. Ele pede desculpas por ser quem é.

O “homus libertinus” é o ideal de homem que se deixa sucumbir a todos os sete pecados capitais.
Como esse tipo de homem poderia trazer paz ao mundo? Mesmo com um aumento no número de homens pacifistas, estamos à beira de um colapso de guerra, talvez até de uma nova guerra global. Isso representa um paradoxo ou um evidente equívoco daqueles que acreditaram que fazer amor seria a solução para os conflitos? Ou eles erram na tese ou eles confundem o amor, ou foi tudo de caso pensado feito para cairmos.
Quando nossos aspectos mais santificados não entram em ação, o mal dentro de nós prevalece. Quando os homens de bem não agem, o mal prevalece no mundo. É fácil pensar que a tática mais eficiente para o inimigo utilizar contra nós seria a de anular nossas melhores ações, como se faz quando encaramos um time com um grande camisa 10.
Alguns pensadores explicam a cultura como a manifestação das crenças religiosas de um povo. Quando não compreendemos o que nos motiva, somos guiados por forças obscuras que também se manifestam na cultura. Abandonar a crença em Deus permitiu que qualquer coisa ocupasse o lugar Dele. Isso resultou em milhares de crenças e ajustes traduzidos em uma grande massa indistinta, na qual nada é nítido e tudo é ambíguo. É uma sociedade fluida, guiada pelas forças do inconsciente, como em um período bárbaro. Sem compreender o que nos motiva, não poderemos nunca parar esse trem até que ele chegue ao seu destino. A guerra não é apenas um problema de agressividade; é um problema espiritual que transcende nossa compreensão. Não é por acaso que ela está presente e crescendo a cada dia mais.
Quando fomos expulsos do paraíso devido ao nosso mau comportamento, fomos condenados a experimentar a dor do trabalho. Essa história nos ensina sobre a nossa inclinação ao tropeço, e essa inclinação faz parte de nosso sistema operacional. Lidar com isso é uma tarefa que nos acompanhará por toda a vida. Essa é a história de Adão e Eva, que nos ensina a abordar nossos problemas de forma individual. Antes de tentar corrigir a vida dos outros, é necessário examinar nossa própria vida com humildade e cautela.
Em contraposição a essa ideia está a crença de que os seres humanos não nascem com uma tendência ao erro, mas a sociedade os leva a cometer erros. Nessa perspectiva, a correção não deve ser direcionada ao indivíduo, mas à sociedade que o corrompeu. O mal, de acordo com esse pensamento, não reside em nós, mas se insinua em nossas mentes através das ações da sociedade. Nessa linha de pensamento, é lógico que para melhorar as coisas no mundo, é preciso lutar contra o mal nas estruturas sociais que promovem a mentalidade que corrompe os homens. É necessário denunciar e combater o mal no mundo; essa se torna a grande missão ao invés de identificar onde nós mesmos estamos errando ou sendo coniventes com o erro.
Do ponto de vista comercial, essa abordagem é genial, pois ingressar na jornada de transformação do mundo sem nem ao menos precisar arrumar a própria cama é o que o novo ser humano “podre de mimado” mais deseja. Basta apenas reclamar e denunciar algo que não está correto no mundo e já podemos passar colar um adesivo de “melhores mundistas” em nossa mochila.
De forma oposta, vender uma ideia que exige sacrifícios diários, correções constantes ao longo da vida, sem jamais poder considerar-se um “melhor mundista” nunca será popular. A ideia de que o mal reside apenas lá fora é mais reconfortante, pois elimina a necessidade de nos conhecermos, de entendermos nossos adversários e de nos esforçarmos para compreender a realidade.
O problema é que, se você não concorda com isso, você está errado. Esse é um mecanismo tirânico por natureza e tem o poder de transformar mentes sadias em caçadores de comportamentos inadequados, de acordo com o cânone social aceito por aqueles que acreditam nisso. Isso inevitavelmente cria dois lados que entram em conflito. Um lado busca impor uma ideia, enquanto o outro luta pela liberdade de discordar de ideias impostas.
O que pode fazer um povo que luta pela preservação de sua liberdade quando a tirania invade seu território?
Podemos considerar que a simples preservação de uma ideia possa representar uma questão metafísica, de vida ou morte, na qual mantê-la viva torna-se fundamental para a existência. Ideias como fazer churrascos aos finais de semana, casar e criar filhos de uma maneira específica podem significar a sobrevivência de toda uma nação e uma mentalidade de liberdade. No entanto, outros podem argumentar que essas ideias estão prejudicando suas vidas, criando um impasse e um conflito inevitável.
Tudo o que existe tem um propósito além de si mesmo. Não frequentamos uma faculdade apenas para permanecer lá; o propósito dela está fora dela, na formação de pessoas mais qualificadas. Da mesma forma, o celular em nossas mãos não tem um propósito em si mesmo; seu propósito é servir como um portal para um mundo conectado, e assim por diante. O sentido das coisas nunca reside nelas mesmas. Da mesma forma, o propósito de uma guerra transcende a própria guerra. Nada do que é produzido para a guerra tem sentido somente na guerra; o sentido reside na conquista de território ou na preservação da liberdade. Além disso, há o bem e o mal nesse contexto. Existem libertadores e tiranos, e essa é uma questão maior do que nossa inteligência pode compreender. Quando discutimos guerras e conflitos, a cautela deve ser nossa primeira consideração.
Até os homens mais sábios do mundo entram nesse campo com extremo cuidado, então imagine nós. 3
Como podemos tomar um lado, observando de tão longe, com tão pouca informação?
A resposta heurística4
Grosso modo, resposta heurística é quando, em situações em que não possuímos as informações necessárias para responder a alguma questão, ainda assim respondemos, e não satisfeitos, ainda respondemos com convicção. E, para piorar, defendemos essas respostas. Isso acontece para simplificar nossa vida mental, que exige mais energia do que qualquer outra coisa. Ter ideias consome ‘combustível’, portanto, parece haver um sistema de economia embutido em nosso cérebro. Pensar custa caro.
Talvez, a solução para não cairmos na cilada heurística seja simples: acionar o botão da cautela. Considerar que estamos apenas formulando uma resposta, que irá evoluir pois trata-se apenas de um resultado com base no que temos disponível no momento.
Com o botão da cautela acionado, essa resposta vai melhorando, ganhando forma e evoluindo. A resposta heurística deveria ser considerada apenas um rascunho, mas na ansiedade coletiva em que estamos vivendo, ela pode, facilmente, tornar-se uma bandeira e muitos estarão dispostos a derramar seu sangue por ela.
Como costumamos dizer por aqui, o futebol é um teatro de guerra e explica os mesmos fenômenos. Quando as equipes são derrotadas, procuram-se culpados e eles são rapidamente encontrados, tornando-se alvos da crítica, enquanto suas cabeças circulam pelas redes sociais. Eles são nada mais do que bodes expiatórios para acalmar a massa ávida por uma resposta simplificada para poder seguir em paz consigo mesma.
A guerra não é uma escolha, é uma constante na vida de todos. Mesmo que você queira viver em paz, o que é muito bonito e louvável, será preciso lutar para mantê-la. Mesmo que você não saiba que a sua liberdade foi conquistada no passado por meio de milhares de batalhas. Mesmo que você busque o sentido da própria vida em apenas viver em paz, é bom lembrar que a dinâmica da guerra é que irá determinar por quanto tempo você poderá estar em paz com seus inimigos.
A resposta heurística é apenas um paliativo para iniciar um pensamento longo e infinito.
“Queres paz? Prepara-te para a guerra.”

Estudar um assunto, por si só, já é uma boa guerra contra o sono, livros e a própria rotina.