Ele é um miserável como qualquer pessoa, cheio de vícios, mente para si, se atrasa e também não consegue fazer o bem que deseja. O herói, assim como nós, faz o mal que não quer.
Ele vivia na sombra da própria rotina, envergonhado de si mesmo, pois sentia, sem saber, que havia um chamado que precisava ser cumprido. Em uma oportunidade inexplicável, ele é retirado dessa rotina degradante e estável por algum evento extraordinário para cair em uma aventura. Esse evento pode ser uma promoção no trabalho, uma demissão ou um pneu furado.
É a possibilidade de construir uma nova imagem para si mesmo. Talvez, a partir de agora, ele possa tornar-se outra pessoa, praticando coisas que ainda não praticou para pessoas que ainda não o conhecem.
Surge um novo personagem que pratica o bem que o nosso herói sempre imaginou ser possível praticar. Imagine o homem comum agindo pela própria vida com a atitude que ele cobra que os jogadores tenham pelo seu time.
Agora ele acredita e encena as melhores qualidades. Ele é um herói com mentiras renovadas.
Mas, na verdade, cedo ou tarde, surge a verdade implacável. A verdade é o que é. O personagem heróico tropeça em si mesmo, tropeça nos mesmos vícios de sempre e é desmascarado, em público.
O que nos impede de modificar nossos comportamentos de forma instantânea?
Nossas mudanças costumam acontecer passo a passo, consciência por consciência, uma jornada do herói por semana.
Agora, desmascarado, o herói tem dois caminhos: seguir mentindo para si, como sempre fez, e aguardar o próximo ciclo inconsciente que o levará, novamente, para o mesmo tropeço; ou, engolir a verdade, reconhecer que ele não vale nada e trabalhar para si, valendo nada, não faz sentido.
O sentido está lá fora. Fora de si, fora de mim, fora da vida comum e ordinária das quedas e tropeços da nossa carne.
Assumindo a máscara, o herói acaba reconhecendo que não passa de um miserável que acreditou na própria mentira. E a partir desse ponto, em meio ao caos de ser desmascarado, surgem novas descobertas, semelhantes ao nosso nascimento envolvido em dor, sangue e lágrimas. A vida do herói começa a florescer, na verdade.
Ele descobre que se entregar ao sacrifício que o destino lhe ofereceu faz mais sentido do que proteger a si mesmo. Uma oferta dolorosa, mas que, ao mesmo tempo, oferece o caminho para chegar a si mesmo. O caminho é servir com seu corpo e sua alma.
A maioria das pessoas deste mundo tem uma vida comum. Não somos celebridades nem milionários nem qualquer coisa que pareça ter importância. Mas em cada um de nós habita um herói inacabado que precisa de um empurrão para sair da rotina.
Um herói não pode existir no vácuo. Ele precisa de um conflito para resolver e se mover. Ele precisa de algo que o impulsione para deixar sua individualidade jogada na sarjeta e encarar o serviço que a vida separou para ele.
Viver para si já não vale mais nada.
Quando o homem comum reconhece que não é nada de especial, surge o herói, enlameado e fétido.
É muito provável que, neste surgimento, algumas pessoas estarão lá para abraçá-lo. Um homem encontrará sua mulher e seus filhos. Uma mulher, seu marido e seus filhos. Talvez irmãos, colegas, filhos no coração.
Enfim, serão poucos. Mas talvez seja somente por esses poucos que a vida deste herói exista. Sem eles, apenas um vácuo.