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TEATRO DE GU@R@A

Posted on 18 de junho de 202411 de junho de 2025

Considerando os impactos sociais que a cultura do futebol exerce sobre o mundo, podemos considerá-lo um esporte, uma cultura com suas próprias normas e símbolos, e uma filosofia que produz seus próprios conceitos. Um esporte global que manipula paixões e que, no Brasil, possui significado ainda maior. O Brasil, como potência em potencial, acenava por meio da seleção brasileira de futebol, e o significado da conquista de uma Copa do Mundo sempre foi maior do que a Copa do Mundo em si.

De qualquer forma, a indústria esportiva em torno do futebol é complexa quando avaliamos as questões filosóficas e seus impactos sociais. O futebol mexe com o indivíduo em todas as esferas possíveis. Uma multidão se junta para gritar o mesmo canto em direção aos jogadores; a derrota e a vitória são sentimentos traduzidos para o corpo e percebidos como dor e alívio. O espírito humano encontra um templo em que todos “rezam” as mesmas orações e sabem muito bem quem são os “infiéis”, inimigos e adversários deste culto.

Mas essas influências, que exercem força de movimento nos indivíduos, unem cada um deles para que um grande bloco seja formado. Uma grande massa de consumidores é criada e a relação destes com a marca futebol, clientes comuns como em qualquer indústria, representa, porém, o supra-sumo de uma relação comercial. Eles são apaixonados pelas marcas e não deixam de consumi-las nem por melhores preços, melhores resultados ou propostas de pagamento mais fáceis.

Quando avaliamos o comportamento humano sob a ótica de consumo, é possível considerar que as marcas de produtos e serviços, assim como políticos e celebridades do show business em geral, produzem conceitos capazes de se conectar com indivíduos e contribuir para a formação dessas pessoas. Neste momento, além de não possuirmos uma única ferramenta cultural de divulgação de conceitos morais e éticos, tão pouco temos a imposição de rituais e práticas religiosas. Mesmo que seja evidente a influência de algumas normas introduzidas pela Igreja Católica, nossas decisões são abrangentes ao ponto de termos a liberdade, pelo menos aparente, de escolher certos caminhos que antes não pareciam ser possíveis de serem tomados. O futebol, essa mega indústria, produz, além de tudo, material simbólico capaz de contribuir para a formação de caráter de nações, grupos e indivíduos. O futebol é concreto e simbólico ao mesmo tempo.

Mas na tentativa de explicar os motivos que fazem deste esporte o mais popular do mundo, esbarramos na simplicidade que nos sugere algo que vai muito além do investimento pesado em marketing e estruturas de eventos. Trata-se, no fim das contas, da capacidade individual de controlar uma bola e passá-la para o companheiro de equipe, direcionando os esforços para uma meta adversária até que ela passe por debaixo das traves. A equipe que conseguir atingir essa meta mais vezes do que o adversário vence a partida, o campeonato, e oferece aos seus consumidores o prazer que uma vitória proporciona.

Milhares de atletas são formados no Brasil para que entrem em campo e consigam oferecer aos consumidores o prazer dessa vitória. O resultado, porém, é que a maioria destes consumidores irá saborear a derrota, pois apenas uma equipe vence. A relação de uma equipe com seu torcedor não é embasada nas vitórias, é no sentir qualquer coisa, seja qual for a emoção oferecida. A frustração também é um sentimento de valor maior do que podemos calcular. Caso contrário, os torcedores iriam trocar de equipe.

Mas não são os consumidores que não são forjados para encarar o desafio real do jogo. São os jogadores que treinam e sacrificam suas vidas e seus joelhos em nome desta troca comercial. E esses jogadores vivem de forma diferente das pessoas comuns.

Um atleta, para tornar-se profissional, precisa ingressar seriamente nos treinos já aos 13 anos de idade. Não há garantia alguma de sucesso, apenas uma promessa. Nessa fase em que a maioria dos jovens está brincando de conhecer o mundo por meio de atividades leves e multidisciplinares, esses jovens já são levados à competição interna e externa por um lugar nessa indústria que promete catapultá-los para um lugar de riqueza e fartura. Mas o lugar das estrelas é muito pequeno e a indústria gera muito mais soldados abatidos do que heróis.

Essa grande fábrica possui um canal que deságua diretamente no oceano da sociedade. Dezenas de milhares de atletas que não ingressaram no Panteão do futebol estarão agora vivendo no seio da sociedade comum, mas propagando a visão que tiveram naqueles momentos cruciais da sua juventude.

Um dos grandes impactos das grandes guerras foi que, ao final dos conflitos, os soldados regressaram ao convívio social sem conseguir encontrar conexão entre o que viveram nas trincheiras e a vida pacata e comum dos campos e cidades. Dessa maneira, milhares de soldados foram responsáveis por divulgar novos conceitos sobre a vida individual. Conceitos que foram colocados em xeque pela dificuldade real que as trincheiras ofereciam e a falta de sentido sobre aquele desastre já não podia mais ser preenchido pelo que a cultura pré-guerra oferecia. Alguns estudiosos do pós-guerra sugerem que a influência exercida por esses soldados pode ter representado um divisor no comportamento social europeu e que, a partir de então, se propagou para o mundo de forma gradual. Uma guerra, seja lá onde ela for travada, influencia o indivíduo e o seu respectivo movimento em direção a um grupo.

De forma mais sutil e menos violenta, o futebol se assemelha a uma guerra. O futebol é um teatro de guerra que também possui seus efeitos colaterais, mesmo que menores, ligados ao comportamento social. Talvez o futebol seja uma guerra travada apenas na mente e com poucas consequências físicas.

O fenômeno, tanto do futebol quanto da guerra, ainda não foi explicado. Temos a inclinação simplista de reduzir o debate às questões financeiras, porém, a busca pelo poder é ainda algo sem muita tradução concreta. Uma equipe que vence conquista um tipo de poder. A conquista de território na mente das pessoas, que é percebida pelas notícias que circulam na imprensa, as camisas nas ruas, e tudo convergindo para exaltar o vencedor. O território está na mente das pessoas, e os derrotados terão que conviver, até conseguirem reagir, com a notícia de que os inimigos venceram. É um teatro.

Mas, para uma parcela da sociedade, as grandes guerras tiveram um significado semelhante.

Grande parte do mundo não enxergou os embates sangrentos que ocorreram no cenário de guerra, mas sentiam seus efeitos na escassez e no comportamento guiado pelo medo propagado através das notícias. A maioria era espectadora do trágico espetáculo, consumia notícias e alimentava a esperança em cima de um sentimento patriótico sobre a bandeira do país. A bandeira do país, a camisa do time, o hino nacional, os cantos de motivação. E quando as ações sugeriam não corresponder aos anseios das pessoas, da mesma forma que se critica o próprio time, a crítica também existia em torno das ações dos governantes. Evidente, claro, que as consequências da guerra vão muito além das consequências do futebol.

Com a ausência aparente de grandes conflitos, ou talvez para tentar dirimi-los, o futebol tomou o lugar das grandes guerras e, inclusive, possui sua modalidade intercontinental. A Copa do Mundo representa um grande conflito mundial em que os símbolos entram em campo, porém, sem armas, sem sangue nem baixas.

Entretanto, com um esforço de avaliar a realidade humana e sem afetações sobre o significado de uma guerra, torna-se evidente que o investimento para manter-se forte nas questões de defesa e ataque faz com que muitos avanços tecnológicos surjam. São técnicas que surgem de tempos em tempos e oferecem supremacia a quem as domina. O fogo já representou esse avanço, fundas, estilingues e espadas também. Uma tentação que espreita o coração do homem racional que ainda imagina ser capaz de conter os avanços de um inimigo possível.

Nenhuma equipe permanece no topo para sempre, e de alguma forma, as fronteiras seguem sendo alteradas. A realidade humana é, ainda, uma incógnita para o próprio indivíduo que busca na vida prática o sentido da própria prática. O sentido de fazer um gol não é o próprio gol. É a emoção que ele sugere aos torcedores, é o poder emocional que um gol exerce sobre o adversário. É a conquista de títulos.

Mas para onde vão esses títulos, para que servem? O que colhemos com tudo isso?

Talvez nossa colheita seja um simples movimento em direção a um pouco mais adiante da nossa própria capacidade. De certa forma, temos um chamado para nos testar a cada dia e não conseguimos pacificar por completo as nossas intenções. Temos uma série de desvios que surgem à nossa frente quando buscamos a realidade concreta da vida.

Qualquer história bem contada, ou não, pode nos atrair para uma fantasia que nos impede de reconhecer o mundo, e nessa confusão sobre o que é real, a única coisa que podemos medir é a nós mesmos em relação aos desafios que surgem à nossa frente. Sem esses desafios, seríamos camponeses cultivando frutas e cuidando de animais, até que algum vilão venha destruir todo o trabalho que havia sido feito.

Não sabemos quase nada sobre nossa existência, mas podemos perceber algumas forças nos puxando para lados distintos. Em um deles está a realidade, no outro, um imenso aglomerado de narrativas que nos desviam o olhar e nos colocam no mundo das fantasias.

Nessa confusão, talvez a medida da nossa força seja, ainda, uma medida para a realidade. Talvez, também, seja o máximo que podemos fazer sem as revelações de Deus.

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