Por muito tempo, lutei contra o futebol. Depois de um curto período em que sonhei em ser jogador, sem estímulo, aquilo permaneceu apenas um sonho e acabei torcendo o nariz para o esporte.
Mas eu sou apaixonado, ainda sou, e até hoje posso passar horas com uma bola, sozinho, treinando passes e cobranças de falta. Posso passar uma tarde inteira na praia fazendo embaixadinhas, sem nenhum objetivo profissional. Infelizmente, nunca tentei ser um atleta profissional, por mais que tenha certeza de que hoje estaria, pelo menos, jogando na série B do Campeonato Brasileiro. Nunca saberei, pois nunca tentei de verdade.
Cresci, virei músico e depois trabalhei em várias coisas diferentes. De qualquer forma, sempre vislumbrei o caminho dos livros e imaginava que ali, nos livros, haveria algo glorioso e dignificante. Assim, o futebol passou a ser considerado coisa de ignorante. Na verdade, tentei decidir dessa forma. Falhei, claro.
Esse sentimento deu uma balançada ao ler o livro “O que faz do Brasil, Brasil?”. Na boa narrativa do autor, o futebol era mais do que um esporte, era uma forma de compreender um povo.
Minhas convicções intelectuais foram cedendo aos poucos, e logo passei a assistir algumas partidas, apenas as mais importantes, como os clássicos regionais e as finais de campeonato. Depois de alguns meses, eu já estava de volta aos gramados amadores das quintas-feiras.
No entanto, o momento decisivo, a completa rendição, que me levaria a um comportamento compulsivo como um alcoólatra que fica anos sem beber, ocorreu quando voltei a ouvir programas de rádio sobre futebol. Ainda com certo temor de ser descoberto, mantinha as janelas do carro fechadas, ouvia apenas dentro do carro e sempre com as janelas fechadas.
Existe um sentimento comum de que o futebol é sinônimo de ignorância. Claro que as declarações dos jogadores costumam contribuir para com essa imagem, mas eu estava lidando com a minha autoimagem. Como posso me tornar um grande leitor, estudioso, e ao mesmo tempo assistir a XV de Piracicaba contra o Ituano nas fases iniciais da Série C do Campeonato Brasileiro? De qualquer forma, eu já estava perdido.
Certo dia, abri a janela do carro e, infelizmente, meu vizinho estava ao lado. Eu sei o que ele pensou. Aquele sorrisinho sarcástico diz muito. Porém, eu também pensei. O Grêmio é que estava na final da Libertadores, não o time dele.
Em casa, minha esposa dormia e eu fiquei na sala apreensivo com a final da Libertadores. O ano era 2017 e, após o gol do Luan, fui até a janela e gritei com todas as minhas forças em direção à janela do vizinho.
-Chupa, Colorado!
Ele apareceu com um semblante sério, com o mesmo sorrisinho sarcástico do dia anterior. Antes de fechar a janela, retribuiu meu grito.
-Vai te fuder!
O futebol tem sua própria linguagem, ponto.