O homem comum adquiriu um ar de senhorio. Agora, nós, os comuns, podemos lutar por lugares melhores, mais altos e mais lucrativos. Em nossa imaginação, temos a possibilidade de visitar a Grécia, relaxar em uma praia na Tailândia, comprar um carro novo e casar com a menina mais linda da nossa própria rua imaginária. Fomos elevados a um novo patamar de existência e esperamos que isso seja positivo, embora com receio de que alguns problemas possam surgir com essa elevação.
De qualquer forma, as angústias aumentaram, e muito. A mera possibilidade de alterar o destino que nos foi atribuído no nascimento abre não apenas um, mas milhões de caminhos possíveis para o indivíduo seguir. O que costumava ser determinado por instituições e tradições agora está em aberto. Se você quiser ser algo, você pode ser. E agora? Para onde correr?
Essa mensagem traz esperança, mas também carrega dor e ansiedade. Quando tínhamos poucas opções, era fácil encontrar nosso caminho. Bastava seguir a tradição, seja como filho de ferreiro, professor, agricultor ou aristocrata. No entanto, agora, enfrentamos um mar de possibilidades e angústias avassaladoras.
No futebol moderno, o homem comum se liberta das angústias modernas. Ele se liberta de si mesmo e encontra um lugar de concentração plena, mesmo que essa concentração esteja ligada ao ato de não se concentrar em nada. No futebol, ele encontra a paz interior. Essa paz é promovida por algumas filosofias, e cobram caro para quem deseja encontrá-la. Mas o futebol proporciona um bocado de paz interior em apenas 90 minutos.
Além disso, há a possibilidade de vitória, o que enche o coração dos torcedores apaixonados e os faz sair às ruas com alegria, como se fosse um vereador em época de campanha. E claro, vai levar mais tempo para perder a paciência no trânsito.
O futebol tem o poder de aliviar e estimular o homem comum. O que não é verdadeiramente poderoso é o próprio homem comum que ainda acredita que o preço das passagens aéreas não varia conforme o destino. Desejar um lugar melhor exige um financiamento mais longo e mais dolorido.
Não podemos fazer qualquer coisa. Não temos talento para uma infinidade de coisas. Nossos recursos não são infinitos, nossa energia e tempo acabam mais rápido do que gostaríamos.
O homem comum tem potencial. Ele se libertou das amarras da imaginação e agora consegue sonhar com qualquer coisa. No entanto, o homem comum não tem estratégia, algo que as elites sempre possuíram e sempre ponderaram antes de embarcar em qualquer jornada.
Haverá um preço para o “homem massa”1 ser elevado ao mais alto nível da cultura.
- Ortega y Gasset – A Rebelião das Massas
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