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ADULTOS EM CAMPO

Posted on 5 de julho de 202317 de dezembro de 2024

Nossos pensamentos mais elevados são um presente do mistério da vida, que nos dotou de um cérebro capaz de reconhecer mensagens e enigmas psicológicos e espirituais. No entanto, esses pensamentos não teriam utilidade sem uma atitude concreta. A conversa emocional entre aquilo que desejamos e aquilo que precisamos fazer para conquistar nossos desejos requer, necessariamente, ações concretas. Caso contrário, a ideia de grandeza e sucesso morrerá em um sonho, permanecendo viva para sempre na forma de uma frustração.

A paixão é um ingrediente importante para qualquer tipo de relacionamento. Quando nos apaixonamos, nos entregamos de corpo e alma, sem medir esforços ou calcular riscos. Quando percebemos, já estamos envolvidos, e o caminho de volta é mais longo do que permanecer na trilha. Essa trilha é a do amor verdadeiro, que dói e exige sacrifícios. Isso vale para um casamento, isso vale para qualquer sonho de criança, isso vale para o esporte.

No momento da paixão, alguns ingredientes são excluídos da equação. Não enxergamos os defeitos, e qualquer obstáculo é considerado simples. A paixão é energia pura e, com esse sentimento em “mãos”, ninguém nos impede de conquistar o grande título. O problema é que ela dura pouco, e quando ela vai embora, o que fica são coisas concretas. Para um amante, fica o casamento compromissado que exige comportamentos, aquisições e rotina estafante. Mas, e para os jogadores de futebol?

No Brasil, os atletas circulam pelas equipes desde muito cedo. Inclui-se aqui o fator financeiro e social. O futebol ainda é um dos meios mais rápidos e legítimos de ascensão financeira, portanto, temos mais famílias desejando que um filho seja um jogador do que acertar na loteria. Essas crianças ingressam na esfera esportiva carregadas de sentimentos e sonhos. Resolver os problemas financeiros da família é uma das primeiras tarefas. E para um jogador mediano, isso logo será resolvido com a assinatura do primeiro contrato profissional.

Mas as aspirações profissionais, que moravam no campo dos sonhos e agora estão cobrando atitudes adultas, não encontram mais o antigo combustível que os levava aos gramados. Na Idade Média, para estudantes de filosofia, era exigido que tivessem pelo menos 35 anos. Entendia-se que nessa idade, o jovem homem já teria condições de lutar contra as próprias tendências destrutivas. Antes disso, no entanto, era considerado incapaz e tinha suas opiniões questionadas apenas por ser jovem. Jovem significava o mesmo que ser vítima de paixões e incapaz de seguir uma linha de trabalho árdua com responsabilidade. Isso pode explicar o momento atual em que muitas equipes têm ancorado a estratégia em jogadores veteranos. Nunca foi tão evidente que o futebol é um jogo de inteligência, e a sabedoria dos mais velhos é uma habilidade necessária. O jovem corre, o velho pensa e executa.   

Talvez seja apenas uma impressão, mas tenho convicção de que nunca perdemos tantos atletas devido a essas paixões desordenadas. A lista é imensa, e cada torcedor deve ter um nome que frustre as expectativas artísticas do futebol no seu time. 

De qualquer forma,  o caso desta semana é o do meio-campista Luan. Um jogador que um dia foi considerado o melhor da América, titular na conquista olímpica da Seleção, mas que, quando não foi convocado para a Copa do Mundo de 2018, simplesmente despencou. Existem várias teorias: drogas, bebidas, mulheres, preguiça… Não importa a verdade, pois qualquer uma delas pode ser comprovada em campo. Ele desistiu, não joga mais, foi derrotado pela desordem. 

Claro que, até certo ponto, ele realizou um sonho de criança. É muito provável que ele assista aos jogos em que marcou gols pelo Grêmio e pela Seleção Brasileira. No entanto, tenho convicção de que, caso ele não aprenda a lidar com suas próprias tendências, assistir a esses jogos trará um gosto amargo de derrota, mesmo nas principais vitórias que aparentemente teve em sua carreira.

O futebol é para soldados fortes. O futebol cobra um preço alto e tem se tornado um espaço para a sabedoria de vários tipos de profissionais. Sendo o futebol a representação de uma cultura, o futebol brasileiro tem mostrado os indícios mais graves do que costumamos fazer com nossa rotina.  Cultura nada mais é do que as coisas que costumamos fazer, e o brasileiro pode se enxergar no próprio futebol.  Sim, o futebol fala, é um traço do povo, e as fraquezas emocionais têm ficado evidentes em vários momentos.  

Quando perdemos grandes talentos para comportamentos mesquinhos, é a cultura mostrando seus ares. Isso é o que aconteceu com Luan e com vários outros, mas essa batalha é a mesma para qualquer pessoa: vencer os obstáculos para se tornar o que um dia foi sonhado. Tornar-se um adulto e aprender a viver o sacrifício de seguir um caminho que exige cada dia mais, sem o combustível momentâneo da paixão. 

Socialmente, como povo, precisamos nos tornar adultos, antes que seja tarde. 

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