Cada pessoa neste planeta possui uma série de histórias que irão influenciá-la e guiá-la, mesmo que por caminhos tortuosos. São narrativas interiores que o senso comum, em outras épocas e de forma bastante equivocada, chamava de ideologia. Cantava-se de forma emocionada a grande vontade de ter uma ideologia para viver. O que a música queria dizer era que se desejava um caminho claro para seguir. Uma boa narrativa interior para dar certeza de que as energias estavam sendo colocadas no lugar certo. É como se precisássemos de um sistema operacional, exatamente igual a um computador, uma linha de raciocínio que estabelece os parâmetros para nos fornecer um plano, um caminho e uma forma de agir frente aos obstáculos.
Porém, quando a crítica se torna vazia e qualquer um critica qualquer coisa sem saber de nada sobre tudo, nenhuma narrativa parece ser correta, e essa escassez leva a vontade e determinação a níveis muito baixos, ao ponto de que a primeira dor, o primeiro sofrimento, como bolhas nos dedos de quem quer tocar violão, faz o sujeito mudar de rumo para encontrar algo menos áspero. Esse movimento acaba deixando todo mundo à deriva de si mesmo.
Uma narrativa que, talvez, tenha surgido com a intenção de melhorar a autoestima das pessoas, é a de que podemos fazer qualquer coisa. Essa é uma das piores ideias que um ser humano pode abraçar. A palavra pecado, do latim, implica em desviar-se de um caminho determinado. E há um caminho para cada um. Não posso perseguir algo que não me é valioso por emoções infantis. É fácil enganar-se e pegar um caminho por conta de uma ideia passageira. Depois de muitos passos, voltar vai dar muito trabalho, então, segue-se, até a cidade das frustrações. Na velhice, claro, vamos acabar dizendo que teríamos sido bons nisso e naquilo. Esse sim, um sofrimento em vão. E eis o ponto. O sofrimento torna-se vão, logo, é preciso evitar o sofrimento ao invés de encará-lo e por conta desse tipo de história, comum na vida de qualquer uma, sofrer para alcançar algum objetivo passou a ser algo que deve ser descartado.
Uma frase comum atribuída a Abraham Lincoln é: “Se tenho 1 hora para cortar uma árvore, eu passo 50 minutos afiando o machado e 10 cortando a árvore.” Ou seja, antes de começar a trilhar um caminho, é melhor gastar energia em compreender para onde se está indo e se há um eco de Deus, da alma, de si mesmo, dizendo que é esse o destino. Esse período de reflexão equivale ao ato de afiar o machado. Com uma dose de certeza na veia, ninguém irá lhe impedir de cortar a árvore. (Ao menos que algum movimento ambientalista apareça.)
Cada ser humano neste planeta possui pelo menos um talento, e ele se manifesta em vontades, inclinações e desejos. Essas pessoas sabem, compreendem suas vontades e sentem que poderiam ser boas naquilo, só elas sabem. Não estamos falando em ser o melhor de todos os tempos, mas apenas em fazer aquilo acontecer. Isso basta. Porém, existe uma carência de informação psicológica, algo que muitas filosofias antigas tentaram nos transmitir: a ciência do sofrimento. Marco Aurélio, o Imperador Filósofo, relata em seus diários que lutava contra o sono pois considerava aquele momento uma recusa para a vida. Claro que além do sofrimento existe a necessidade vital de dormir, mas o conceito é claro. Ele se auto impunha o sofrimento em virtude de conquistas, de leitura, de escrita, de planejamentos. Essa é uma narrativa que considera o sofrimento parte da construção de uma personalidade. Podemos chamar de qualquer coisa, mas aqui vamos chamá-la de “ciência do sofrimento”.
Em contraposição a isso está o gatilho do relaxamento que nos apanha no início de qualquer empreitada. Sem muita certeza e com pouca vontade e determinação, nos tornamos presas fáceis, e qualquer notificação no celular desmorona nosso pequeno e frágil castelo de cartas. Esse é o inimigo de qualquer conquista, por menor que seja, e apenas isso. Um mecanismo que diz para o sujeito que ele pode comer um hambúrguer hoje, pois ele merece depois de tantas reuniões naquele dia. Apenas um dia!? Mesmo assim, por mais natural que esse mecanismo aja contra nós, e por mais difícil que seja compreender o que representa o sofrimento para o crescimento, é preciso tomar total consciência disso para lutar, diariamente, contra ele.
Não por acaso que o esporte tornou-se um lugar de reflexão sobre conquistas. Para entrar na elite esportiva é preciso se livrar do peso da vida comum e ingressar em uma vida de sofrimento constante. Esse é o caminho para a glória, é o sucesso, e nada disso tem a ver com fama ou dinheiro. O dinheiro tem a régua muito baixa e muito variável. Alguns desejam mil, outros um milhão. Mas o caminho da glória, e todos possuem esse caminho gravado no coração, exige muito mais do que o caminho do dinheiro e da fama.
Talvez, uma boa forma de imaginar esse caminho é considerando todas as nossas aptidões sendo desenvolvidas da forma mais refinada possível. Eis aí, o caminho da glória. Certamente você vai chegar lá todo quebrado, sem ter participado de muitas festas, não bebeu, não usou drogas, não dormiu nos finais de semana como gostaria, vai estar com dores em vários lugares. Mas, dizem os que chegaram lá, é o preço da glória e ela vale cada centavo de sofrimento.