Regras são regras, leis são leis e elas são criadas para melhorar os resultados do grupo para o qual foram pensadas. Elas servem para um espaço específico e a adesão das pessoas é fundamental para que essas leis funcionem. Tudo isso, em tese, claro.
As pessoas mudam, evoluem ou regridem, e é necessário atualizar as regras para abraçar as mudanças do ambiente. Todo ser humano muda, e é por isso que as leis precisam mudar.
No futebol, o impedimento procura manter os jogadores dentro de um espaço de campo menor, aumentando a dinâmica do jogo e evitando que atacantes fiquem plantados na área aguardando uma “bola vadia”, deixando a marcação dos zagueiras cravada no campo de defesa. Mas com o VAR (árbitro de vídeo), o impedimento passou a ser decidido num detalhe tão específico que alguns gols já foram anulados por conta do tamanho do nariz do atacante.
O resultado desse detalhamento é que milhares de gols estão sendo anulados por milímetros, e para um esporte que sobrevive de gols, a regra do impedimento tornou-se um impedimento para a maior emoção do esporte, o gol.
Dizem que os americanos não aderiram ao futebol, da mesma forma que o resto do mundo, por conta da falta das baixas pontuações, dinâmica lenta e pouca emoção. Não sei se isso é verdade, mas o fato é que a quantidade de gols anulados, a comemoração retardada da torcida e de narradores, mexeu com o esporte, para pior.
No entanto, a nova regra dá conta de que haverá um espaço entre os atletas para que seja ou não considerado impedimento. Não haverá mais gols anulados por fios de cabelos ou unhas compridas. A proposta sugere que teremos mais gols validados e mais emoção nas partidas.
As regras de um jogo, assim como as leis para um povo, em tese, devem contribuir para que as pessoas envolvidas colham os benefícios dessas limitações, e nós temos muitos exemplos aqui no Brasil em que as regras têm servido para prejudicar a sociedade. Uma série de mecanismos criados sob um discurso de beneficiar as pessoas e que na verdade fazem o oposto. Regras de trânsito confusas, pessoas multadas por cortar uma árvore que estava atrapalhando os moradores, criminosos sendo soltos por conta de um processo cheio de detalhes ambíguos, e nessa toada os gols vão sendo anulados e destruindo a vontade dos torcedores de fazerem parte desse jogo.
O objetivo é atingir o gol. Deixamos que os zagueiros briguem com os atacantes. O juiz deveria ser neutro e as regras deveriam servir ao jogo, só a ele. O jogo é feito por pessoas e para as pessoas.
“O mundo só se tornou viável porque antigamente as nossa leis, a nossa moral, a nossa conduta eram regidas pelos melhores. Agora a gente tem a impressão de que são os canalhas que estão fazendo a nossa vida, os nossos costumes, as nossas ideias. Ou são os canalhas, ou são os imbecis, e eu não sei dizer o que é pior. Porque você sabe que são milhões de imbecis para dez sujeitos formidáveis.”
Nelson Rodrigues