Transformando a pressão externa em palco para mostrar carisma e maturidade.
Um espetáculo com tantos núcleos de atuação que podemos até pensar que “futebol” é apenas um nome fantasia para atrair mais público. Mas alguns pontos são fundamentais para o sucesso dos jogadores e entre eles: a boa relação com a torcida e a imprensa.
Quanto mais um jogador cresce, maior é a pressão desses dois mecanismos. Não há como fugir. Mesmo que exista uma série de questões que possamos discutir sobre o comportamento dessas pessoas, trata-se da realidade. É melhor que o jogador aprenda a lidar com isso, evitar problemas e aproveitar oportunidades.
A torcida
O rendimento dos times em jogos em casa tende a ser maior, e não é por acaso. Os jogadores são emocionalmente guiados pela torcida.
Os torcedores tendem a não considerar argumentos sobre o esquema tático, sobre as carências do plantel, sobre o sacrifício de jogadores mais velhos ou lesionados. Mesmo que individualmente muitos deles estejam avaliando essas questões, a torcida, como massa que canta hinos e empurra o time, se une em torno de emoções direcionadas à camisa do clube e aos jogadores. A linguagem emocional da torcida se reflete em xingamentos, palavrões e vaias, que talvez até façam parte da experiência do torcedor. Muitos vão aos jogos, inclusive, para extravasar frustrações acumuladas durante a semana.
Isso não é bonito, isso não é certo, isso apenas é.
O jogador que tentar argumentar com a torcida estará argumentando contra uma massa de emoções. O jogador que “pega pilha” pode causar problemas dentro do clube por conta da relação com a torcida. Muitos atletas encerraram carreiras ou tiveram que ser transferidos para outros clubes por conta de um deslize emocional, como responder a xingamentos. O atleta só tem uma boa opção: jogar, trabalhar e se entregar. É a linguagem que a torcida compreende.
A imprensa
A torcida é, muitas vezes, aquecida pela imprensa — o outro grande bloco que faz do futebol, Futebol com letra maiúscula. Sem imprensa não há espetáculo, e a plateia, a torcida, é o grande cliente disso tudo. É por meio da imprensa que os jogadores se tornam grandes nomes internacionais, são aclamados pela torcida, mas também vaiados.
Muitos jogadores não gostam de falar com a imprensa por medo de se expressar. Alguns relatam que, antes do apito final, lembram que terão de falar com a imprensa. Isso significa que se desconcentram por receio de falar ao microfone.
Não é por acaso. Empresários e dirigentes incentivam seus jogadores a não falarem nada, por medo de que entrem em polêmicas mesmo sem querer. Dessa maneira, muitos ensaiam entrevistas, repetem as mesmas frases, e a imprensa fica esperando. Para manter o futebol aquecido, jornalistas acabam reciclando assuntos e abordando temas rasteiros, muitas vezes sem brilho. Parece que, dentro do futebol, muitas pessoas têm medo de falar abertamente, pois sabem que terão de lidar com a emoção da torcida. Algo muito semelhante à política: fala-se o que as pessoas querem ouvir. “Vamos lutar até o fim, estamos trabalhando para mudar isso, agora é trabalhar e se concentrar no próximo jogo…”
Em outros tempos, jogadores como Romário, Renato Gaúcho e Túlio ficavam dizendo que um era melhor do que o outro na imprensa, direcionando a pauta dos jornais esportivos por semanas, fortalecendo os clubes, o campeonato e a própria imagem. Eles não só não tinham medo da torcida, como procuravam o microfone para direcionar os temas da imprensa. Reconheciam o valor e a importância da imprensa para conquistar o carinho da torcida. E até hoje são lembrados pelo seu carisma.
É evidente que estamos em um momento delicado, em que as palavras carregam conotações e podem ser interpretadas de forma equivocada pelas pessoas. Esse medo é genuíno, e é o que leva empresários e dirigentes a protegerem seus jogadores. Mas, ao mesmo tempo, impede que esses mesmos jogadores conquistem o coração da torcida por meio da imprensa.
Em uma carreira curta, que precisa da divulgação do nome do jogador e da marca que cada um representa, deixar o fator imprensa de fora parece ser um desperdício de oportunidade. Sempre haverá riscos para grandes ganhos.
Uma das maneiras de aproveitar melhor o microfone é considerar-se um profissional de futebol. O jogador é um profissional que domina os aspectos do jogo. Não é a torcida nem a imprensa. Por qual motivo ele deveria ter medo de se expressar e falar em público sobre o trabalho que executa há tantos anos?
Provavelmente, o medo de ser mal interpretado e de falar coisas que contrariem a emoção do torcedor.
É para melhorar esse tipo de postura que serve o treinamento emocional e cognitivo. O futebol, por muito tempo, foi um lugar de preparação física e técnica. Agora, estamos em um momento de treinamento psicológico. Mas a expressão e o carisma de cada um moram na compreensão sobre suas próprias emoções. Moram na busca por se tornarem um pouco mais inteligentes, compreenderem um pouco mais os elementos que cercam a profissão e terem segurança sobre suas próprias ideias.
Um jogador é uma marca e, como toda marca, precisa se relacionar com seu público. Não se trata apenas de jogar bem, mas de representar o que o público deseja. Comunicar-se com a torcida faz parte desse processo e ajuda a melhorar o relacionamento, inclusive quando o jogador não está indo muito bem. Treinar a forma de se expressar melhora o significado da própria marca e ajuda a conquistar o carisma dos torcedores.
Treine sua comunicação com a mesma disciplina com que treina o corpo. Essa é a diferença entre ser apenas um jogador comum ou tornar-se um símbolo eterno para a torcida.
As redes sociais podem ajudar muito nesse processo de comunicação e aprendizado da expressão, mas isso é um assunto tão delicado que ficará para o próximo post.