Dizem que tudo o que cai nas mãos dos americanos vira espetáculo. É de se imaginar os motivos de eles terem levado Pelé e Messi, os melhores, para lá. Mas tem alguma coisa que eles não compreenderam do esporte, pois lá, ainda não deu certo.
A ideia é oferecer entretenimento, é dar um show. Os americanos levam grandes cantores para cantar o hino, jatos voam no momento apoteótico sobre o estádio e tudo é feito para garantir uma experiência única. Quem vai para o estádio passa o dia inteiro por lá e sai feliz.
Para transformar um esporte em espetáculo, é preciso ir à raiz do que faz desse esporte algo espetacular. No vôlei, talvez sejam os bloqueios e cortadas? No basquete, seriam as cestas? No baseball, as tacadas? Seguindo a mesma linha, o futebol teria o gol para oferecer. Parece pouco para um esporte tão popular. Não pode ser apenas o gol que faz esse esporte sobreviver. Seria uma avaliação até desproporcional comparar centenas de cestas, dezenas de cortadas e bloqueios com um 0 x 0 em uma final de Copa do Mundo. Não pode ser o gol que torna tudo tão especial.
Claro que todos os esportes possuem suas táticas e nuances. Mas estamos falando de futebol, o mais popular de todos. Aqui, uma jogada bem executada precisa ser ensaiada, e os atletas, por melhores que sejam, precisam se adaptar aos companheiros. Os momentos de improviso são muito bem vistos, mas, assim como um jazz bem educado, existe o momento certo para improvisar. O gol é uma espécie de refrão ou tema em que todos cantam, todos sabem o que fazer e, a partir daí, as comparações podem ser feitas. A música pode não ser tão boa, mas o refrão é sensacional, pega, funciona.
Um gol pode não funcionar, pode ser apenas um gol de honra, quando o time já está derrotado psicologicamente. Um refrão pragmático pode ser excluído do tema, pois não diz nada. Um gol fala muito sobre a essência do time. Um gol, apenas um gol, pode mudar o jogo de volta, pode valer a classificação. Um gol pode ser o ponto alto da música, mesmo que em baixas frequências.
No embate homem a homem, a superação de um arranjo sobre o outro. O posicionamento vai sendo alterado de acordo com os movimentos da bola, mas quem não foge do tema se mantém atento às nuances da música. Em alguns momentos, a dinâmica é baixa e os jogadores passam a bola uns para os outros, aguardando o próximo ato. O maestro, na beira do campo, pede calma. Ele sente que os atletas estão ansiosos para colocar mais notas nessa música. A música não precisa de mais notas, ela só precisa ser ouvida por quem a toca. O jogo sentido e observado com atenção musical é a grande diferença do futebol para os outros esportes.
Aqui a música pode ser longa, podem haver dezenas de toques antes de um gol aparecer. Aqui o goleiro pode encontrar o artilheiro com apenas um toque na bola. Aqui a música pode começar pelo refrão e em menos de um minuto a bola está dentro das redes do adversário. O futebol é jogado como música. Quanto mais músicos e maestros estiverem em campo, melhor será a melodia e nem sempre é preciso ter um refrão para que a plateia cante. A música é livre e o futebol também.
Pelo menos era assim até a febre das casas de apostas encontrar esse espetáculo.