Muitos medicamentos oferecem a cura em troca de alguns efeitos colaterais. É o preço e parece justo quando estamos em situações vulneráveis. No entanto, alguns desses efeitos podem causar mais problemas do que a própria doença e, nesses casos, talvez seja melhor não se medicar.
A emoção é o combustível do futebol. Sem ela, nada acontece. Até podemos imaginar que no futebol inglês, com torcedores falando vários idiomas, tomando o chá das 5 horas em ponto, tudo seria diferente. Mas é apenas um eco de uma impressão muito equivocada. O futebol é emoção em todos os lugares. O problema é que quando o público não foi treinado para lidar com emoções, elas desaguam da pior maneira possível.
Mais uma vez, caímos na cultura. Caímos mesmo, pois trata-se de uma derrota diária do brasileiro. Aqui, todo e qualquer assunto só ganha relevância sob a ótica emotiva e sentimental. É o que separa “homens de meninos”, é o que separa a maturidade da infância. O efeito colateral da emoção não poderia, em hipótese alguma, superar a razão. Nem mesmo em combates que precisam de agressividade, a emoção deveria tomar o lugar da razão. Ela é um impulso, um algo a mais, ok, mas a emoção descontrolada oferece a derrota iminente.
Os atletas chamam a emoção boa, ordenada, de “coração”. No lugar certo e bem treinada, a emoção é uma ferramenta da razão.
O projeto de um clube de futebol tem como objetivo conquistar campeonatos. Mas isso não é possível quando se troca peças ano após ano. A troca de técnicos é um problema grave no Brasil, mas é um problema quase tão grave na Europa. Técnicos representam convicções. Técnicos solicitam jogadores para colocar as convicções em prática, e esses jogadores assinam longos contratos. Esses mesmos técnicos são demitidos e os jogadores ficam com a necessidade de encaixar-se em um novo projeto. Algo de muito errado vem dando certo no futebol.
De qualquer forma, o único remédio para conter o avanço das grandes vitrines, aqueles times que vencem uma dúzia de vezes seguidas seus campeonatos nacionais, e só perdem para o rival que também venceu outra dúzia de vezes, é a continuidade. O torcedor carrega o combustível do jogo. A emoção que eles depositam é o que alimenta o esporte. No entanto, essa mesma emoção, descontrolada e irresponsável, acusa um bode expiatório de ser o vilão da derrota. Essas acusações juntam-se à imprensa esportiva, que retroalimenta esse elefante desenfreado. Alguns clubes se veem obrigados a demitir alguém para mostrar que algo está sendo feito para evitar as próximas derrotas. Esse é o efeito colateral da emoção que causa mais danos do que qualquer coisa. Romper projetos por conta da opinião pública é um desastre.
Num cenário ideal e hipotético, torcedores compreendem as próprias emoções e não se sentem derrotados quando o time é derrotado. No entanto, o que move montanhas é que, quando o time vence, o torcedor acorda bem, trabalha com entusiasmo e sente os benefícios desse remédio milagroso que é a vitória. Uma pena que esse sentimento seja para apenas um clube em cada campeonato, e os efeitos colaterais são sentidos por todos os outros.