O futebol consegue agrupar pessoas em torno de um único símbolo. Ele cria o senso de unidade, e essa unidade, que carrega e emociona a equipe e os torcedores, oferece uma catarse tanto nas vitórias como na frustração das derrotas. Um castigo tão incompreendido quanto a guerra é, ao mesmo tempo, tão atraente quanto a vitória. De alguma forma, somos forjados sob o sentimento de vencer alguma coisa.
Os desafios, desde os primeiros passos, recebem aplausos eufóricos da torcida quando são superados. Quem irá subjugar o impacto da alegria dos pais frente aos nossos primeiros passos cambaleantes rumo ao tombo inevitável? Desde o princípio, ansiamos por aplausos e desejamos a vitória em nome da glória, apenas por vencer a nós mesmos. Sem pódios nem prêmios. Apenas a vitória sobre o nosso corpo. A vitória em torneios surge apenas mais adiante, com um pouco mais de emoção. A glória em ser considerado bom, o melhor dentro de alguma categoria ou localização, para além do reconhecimento dos pais.
Quem tenta imaginar um mundo menos competitivo ou nunca competiu, ou já foi vencido pelo medo de sentir-se derrotado. Sentir-se derrotado machuca a alma e paralisa as ações. O resultado disso é que podemos ter ideias sentimentais de que a derrota deve ser extinta do convívio social. Por conta disso, quanto menos competição, para os desavisados e ingênuos, é o mesmo que amenizar, e por que não eliminar, as frustrações que a derrota causa.
Mas a derrota faz parte de qualquer vitória. Porém, ela não se instaura por acaso. A derrota não é um fato, ela é um mecanismo psicológico que pode acabar com a vida dos mais talentosos. A derrota é a paralisação pelo medo da vaia, ao mesmo tempo que o esquecimento sobre a honra sobre o que significa vencer. Sucumbir a esses mecanismos é a única derrota de um ser humano. Mesmo assim, para vencer alguma coisa é preciso saber quem é o adversário. E muitas vezes eles se parecem com equipes com uniformes diferentes.
Claro que uma equipe adversária sempre irá nos situar nessa grande guerra, mas eles não representam nossos maiores inimigos. Um atleta vive em constante guerra desde muito jovem. Aos nove anos, ele já será levado ao combate emocional sendo cortado de um time ou precisará conter as lágrimas em uma final de campeonato. Em breve, com cerca de 18 anos, terá de lidar com a fama e as distrações, com a hierarquia de um clube, com as vaidades juvenis que não tiveram tempo de amadurecer e com a crítica da imprensa. Acima de tudo, essa é uma guerra contra a cultura ao seu redor. Um atleta está em guerra contra si mesmo desde o início, e estancar as brechas da sua mente, que acaba cedendo a tudo que está à sua volta. A cultura empurra ideias e para vencer ele precisará conter a maioria dessas sugestões. Esse é o principal adversário.
Podemos citar dezenas de jovens talentosos que seriam grandes estrelas do esporte não fosse algum problema oculto de adaptação em um país ou em uma competição mais rígida. Altos salários certamente os colocam em situações em que distrair-se do objetivo é muito atraente, porém, o caminho nem mesmo começou, e o jovem atleta já mostra que está entregando os pontos. A sensação de fama que as redes sociais entregam os confunde com sucesso. Sucesso jamais será fama, mas sim o fruto de algo bem feito. O sucesso está no que o símbolo em volta do atleta consegue entregar. Romário teve sucesso, Bebeto, Ronaldos, Messi, D’Alessandro, Maicon… vários outros que não venceram Copas, mas foram fortes na batalha.
Nossos adversários mais temíveis não moram nas competições, mas são habitantes de nossos próprios comportamentos e nos levam de mansinho para o abismo da derrota. Esses comportamentos são culturais. A negligência com nosso corpo é um problema já antigo, porém, a negligência com a mente é uma epidemia atual. Nada acontece no vácuo, e os fenômenos psicológicos percebidos no mundo também afetam a vida dos atletas. A desatenção e a fragilidade emocional também atuam no mercado da bola. Com atletas emocionalmente frágeis, na prática, perderemos mais jovens talentos para as redes sociais e para jargões da mídia do que para o mercado europeu. Será possível, em alguns anos, a primeira Copa do Mundo sem a Seleção brasileira?