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DEU NO FANTÁSTICO! QUE ALÍVIO.

Posted on 15 de outubro de 202415 de outubro de 2024

“Não perco muito tempo fazendo pesquisas pelo mundo afora para me dizer qual eu acho que é o jeito correto de agir. Só preciso saber como me sinto.”1 (George W.Bush)

Quando passamos a acreditar que o que se vê é tudo o que há, nos deixamos levar para uma esfera reduzida de pensamento que também limita nossa capacidade de imaginar. Dessa forma, o modo como encaramos os questionamentos, mesmo os mais básicos, que surgem durante o percurso da vida será impactado. Ao invés de consultarmos nossas ideias e utilizar a razão, consultamos nossas emoções para decidir as coisas em nossa vida. Dessa forma, colocando nossas emoções na frente de tudo, criamos a sensação de que podemos responder qualquer questão.

Quando passamos a acreditar que as coisas que sabemos representam grande parte das coisas a saber, encerramos nossas especulações, acionando apenas os elementos que já estão ali em nosso campo de visão intelectual. Ou seja, encerramos as questões em nós mesmos aos moldes de um algoritmo de redes sociais, que é estruturado para estimular as inclinações individuais e nos faz enxergar apenas os nossos próprios pensamentos, dando-nos a ilusão cognitiva de que não há rivais contra o modo e os elementos que viemos considerando corretos até o momento. Isso nos faz descartar uma ideia alheia apenas por não termos ouvido falar dela no Fantástico. É um fenômeno estudado profundamente por Daniel Kahneman (Rápido e Devagar), conhecido como Viés Cognitivo, mas especificamente como Heurística da Disponibilidade.

Esse fenômeno é comum e aceitável na juventude, pois os jovens leem apenas um livro e logo sentem que descobriram como o mundo funciona, tornando-se fervorosos defensores daquelas ideias. Até que outro livro é inserido e surgem algumas divergências. Novas ideias vão se acumulando e duelando entre si, até que mais adiante, uma mente saudável, inevitavelmente, irá acautelar-se em direção ao pensamento de Sócrates: “Só sei que nada sei.”

Quando descartamos a possibilidade óbvia e lógica de que não sabemos nada sobre praticamente tudo no mundo, adquirimos um bilhete vitalício para uma roda de ratos que pode nos aprisionar para sempre sem que saibamos que estamos presos. Mas esse fenômeno, além de comum, é previsível e natural. As coisas que já vimos e com as quais tivemos contato são táteis, e as coisas que nos contradizem são questões de fé. Caso alguém venha se opor às minhas ideias, mencionando livros que eu jamais ouvi falar, precisarei confiar em quem escreveu tais livros e em como o meu adversário interpretou tais escritos. Precisarei ter fé para incorporar essas ideias adversárias no meu raciocínio, e o que se vê é mais tátil do que a fé. O que se vê transmite a sensação de certeza e segurança. Caso o livro tenha sido mencionado no Fantástico, isso contribui para o passo de fé, uma fé segura. E tudo que o ser humano deseja, mas jamais irá conseguir, é essa segurança.

As armadilhas psicológicas estão aí, e cai quem não consegue percebê-las. Cai quem não luta contra elas.

A natureza não é justa nem injusta. Ela é. Simplesmente é. Temos uma série de vontades e inclinações que nos chamam para um lugar que não deveríamos querer habitar. O lugar do conforto, onde a preguiça impera, é um ótimo lugar para se imaginar, porém é um péssimo lugar para realizar a si mesmo. Um lugar sem conflitos é um lugar lindo, e muitas músicas são compostas para homenagear esse lugar que jamais existiu e jamais existirá. A própria promessa de Cristo sobre o fim dos tempos dá conta de um grande conflito espiritual. Nada, jamais, nunca, em nenhuma hipótese e em nenhum momento da história, nos falou que o mundo poderia ser um lugar sem conflitos. Aliás, pelo contrário. Mas os nossos instintos estão aí para serem conscientizados, absorvidos e educados pela nossa razão. Não cortados por uma tirania disciplinadora.

Ninguém consegue dar um passo além de si mesmo sem dar um passo de fé. Não há como mudar as coisas e transcender, evoluir na caminhada, resolver as incógnitas da vida humana apenas observando os elementos que já conseguimos compreender. O problema é que compreender novas ideias exige esforço cognitivo. Não temos como fabricar mais energia, portanto, teremos que retirar energia de algum lugar para empreender esse esforço. E a energia tem se tornado tão escassa quanto a atenção.

Nossa visão, que naturalmente é parcial, sem receber um esforço extra para ampliá-la, jamais encontrará melhores respostas para as questões que surgem. Não surpreende que a massa de ansiedades que vemos hoje em dia seja resolvida apenas na superficialidade de remédios, ao invés de ser cortada pela raiz com a compreensão das causas. Trata-se das dores, pois é o que se vê, e o que se vê é tudo o que há, e com esse vício na forma de pensar, essa lógica adoentada, chegamos a uma conclusão: o que não se vê simplesmente nem mesmo existe.

Observar fenômenos materiais e concretos, que podem ser tocados e analisados, oferece alívio ao ímpeto humano. As dúvidas sobre os caminhos que devem ser tomados parecem ser sanadas com números e relatórios. Quando as contas fecham, nos aliviamos. Mas, quando não encontramos uma resposta exata, prática e metódica sobre, por exemplo, ser mais misericordioso, a questão se mantém aberta e drenando a escassa energia do nosso corpo para uma questão que parece não ter fim.

Nenhum ser humano se sente confortável com o desconforto de uma questão em aberto. Algumas mentes privilegiadas, uma exceção ou um talento incomum, podem encontrar satisfação em se manter desconfortáveis. São santos, samurais ou filósofos, mas para a maioria das pessoas, quanto mais rápido uma questão for encerrada, independentemente de como esse encerramento se dê, melhor.

Um gatilho irracional está sempre acionado para nos convidar ao delicioso mundo da preguiça.

  1. Rápido e Devagar – Daniel Kahneman
    ↩︎
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