O sacrifício dos santos mártires talvez seja fruto da descoberta fundamental sobre o sentido da voz divina que habita no coração de todo ser. Há quem não a escute, e para esses deve ficar a pergunta: Por que alguns escutam essa voz divina e outros não? Pode ser que exista um caminho para essa audição. Assim como um músico treina o seu ouvido, talvez isso seja possível para os ouvidos de nossa alma.
Diariamente, o músico ouve sons e os identifica em algum instrumento. Em algum tempo, ele irá descobrir o som de um Lá, a nota mais comum, sem muito esforço e com persistência, todas as outras notas serão compreendidas. Porém, compreender todas as notas não transforma ninguém em compositor. Compreender as notas não significa ainda que há melodias em sua cabeça dispostas a pular para uma partitura e embelezar o mundo.
Mas, e para identificar os sons de Deus?
O treino parece ser o mesmo. Existem algumas notas circulando por aí, aguardando a nossa primeira compreensão. A Igreja é uma escola de música que oferece notas. As mais comuns são cantadas por meio de histórias bíblicas. Temos Adão e Eva nos ensinando sobre o valor do trabalho e da dor que enfrentamos no mundo. Compreendemos, também, que vagamos em busca do caminho de volta porque fomos expulsos de um local pleno devido ao nosso mau comportamento que já vem com uma raiz muito bem formada em nosso coração. Identificamos o significado dessa nota, desse conceito, dessa história, e passamos a ter material, notas, para a alma trabalhar.
Talvez essa ainda não seja a voz de Deus, talvez seja apenas a voz do ensinamento da humanidade tentando dizer para as gerações futuras ficarem atentas às pedras de tropeço. O prazer não é o bem, nem a dor é o mal, e dentro da nossa redoma existe uma serpente que está sempre à espreita, aguardando um momento de desatenção para nos iludir.
Temos, também, os dez mandamentos que podem ser vistos como parte de uma escala natural, simples e direta, mas com notas contundentes. Há que se decorar tais notas, há que se compreender o efeito de cada uma delas. Mesmo assim, talvez ainda não seja a voz de Deus que estará por lá, e ainda pode ser apenas voz da humanidade nos dizendo para ficarmos atentos com o futuro. A dor do outro é a minha dor. A alegria do outro é também a minha alegria. Considere isso quando for viver os seus instintos.
Pode ainda ser que mesmo que o músico bem preparado já saiba identificar as notas sem nenhum instrumento, ele ainda não saiba compor nenhuma música, nenhum tema. Mesmo assim, um intérprete tem seu valor. Muitos serão chamados, mas poucos serão escolhidos. A sabedoria da humanidade, ainda que sem o toque da criatividade de um compositor, apenas interpretando os sons que nos foram oferecidos pela escala musical, é ainda um “atributo de Deus que dirige as obras exteriores” (Sabedoria 1:1-2).
Segundo consta, os maiores santos chegaram ao final da vida sob uma forte provação divina: a dúvida sobre se a voz que eles ouviam era a voz de Deus ou a voz da sabedoria dos homens. De qualquer forma, a sabedoria é guiada por Deus, e ela é o primeiro passo para identificarmos os sons enquanto aguardamos o momento de começarmos a compor sob a inspiração que vem do alto.