Perder um pênalti é um dos piores fardos do futebol. Alguns podem se lembrar de Roberto Baggio na final da Copa do Mundo de 1994 ou, ainda pior, de Alexandre Pato pelo Corinthians tentando fazer uma cavadinha. Temos muitos exemplos. Mas, para o torcedor, depois que a raiva passa, deveria entrar em campo a tal da empatia com o ser humano que cometeu aquele erro involuntário. Não deve ser fácil perder um pênalti.
Caso você não se compadeça com o jogador, que fique claro, deveria, pelo menos um pouco. Mesmo que tenhamos aquela pretensa ideia de que eles recebem muito bem para fazer o que fazem e que deveriam acertar a maioria das coisas, eles são pessoas como nós e, quando conseguimos acessar um pouco de auto sinceridade, ainda temos a capacidade de perceber que erramos muitos pênaltis diariamente, que não deveríamos errar.
As cobranças de pênalti são muito semelhantes à técnica de um arqueiro. É preciso ter o braço firme, manter o olhar atento ao alvo e, basicamente, em relação ao preparo físico, é isso. Mas “a coisa” está na mente e os arqueiros falam justamente dessa forma. Ao puxar a flecha, eles tentam se manter conectados ao arco enquanto aguardam um sinal do próprio corpo dizendo que está na hora de soltar a flecha. Esse sinal é chamado de “a coisa” – uma tradução para o português. Para compreender esse sinal, os atletas precisam lidar com a mente mais do que com o corpo, o que faz do arco e flechas um esporte mais mental do que físico. Na hora do pênalti, o que mais conta é isso: a mente firme orientando os movimentos do corpo.
Esse é um dos grandes problemas das cobranças de pênalti. As disputas ocorrem depois de 90 ou 120 minutos de jogo. Isso significa que o estado de fadiga muscular dificulta a compreensão dos movimentos e interfere na mensagem transmitida pela mente de que chegou a hora de acertar o alvo. O jogador pensou, imaginou que chutaria a bola em tal direção, e ela vai para fora ou para as mãos do goleiro, que a cada ano ficam mais altos e ágeis.
Cobrar pênaltis é a “Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen” – e podemos perceber isso nos grandes batedores. Para citar o nosso Neymar, que trava um duelo com o goleiro, olho no olho, e sem utilizar força, coloca a bola na direção oposta à que o goleiro caiu. Ele espera “a coisa” e solta a flecha na hora certa.
Em nossas vidas, as cobranças de pênalti são semelhantes àqueles momentos em que sabemos que precisamos fazer alguma coisa. Pedir um aumento, interferir em uma confusão, abordar alguém, seja um cliente, um affair ou qualquer outra pessoa… Aquele momento em que ainda sentimos um frio na barriga. Um tipo de mensagem do corpo que, se for bem treinada, pode nos levar a fazer muitos gols. É um sinal de ação e não agir conforme esse sinal é muito semelhante a chutar a bola para fora.
Quantas situações são proteladas por conta da negligência desses momentos, por medo de viver uma cobrança de pênaltis. Jogadores de futebol acabam sendo levados a lidar com esse tipo de momento, quer eles queiram, quer eles não queiram.
Acertar um pênalti em uma final de campeonato é uma situação de dupla satisfação. Acertar é tão satisfatório quanto não errar.
É a mesma coisa com nossos momentos corriqueiros da vida. Temos a tendência de viver em “lugares” que não nos confrontam com essa dualidade de acerto e erro, e dessa forma, parece muito fácil questionar um atleta que erra um pênalti. Mas a maioria de nós nem mesmo considera se colocar nesse tipo de situação. A maioria de nós sente “a coisa”, o momento de soltar a flecha, e acaba se recolhendo na própria insignificância por medo de errar.