Ninguém erra, ninguém falha, todo mundo finge
Falhamos muito durante o dia e tantas são as nossas falhas quanto as desculpas e artimanhas que criamos para escondê-las. Às vezes, raras vezes, escondemos nossos erros dos outros, na maioria das vezes, de nós mesmos. Afinal de contas, temos muitas desculpas para dar, para os outros e para nós.
Varrer a sujeira para debaixo do tapete é a forma mais conhecida. Ninguém viu, logo, não aconteceu. Mas o futebol é uma manifestação ao estilo Big Brother. Todos enxergam em diversos ângulos e já não há mais como esconder as falhas. Além das câmeras, temos medidores de desempenho e estatísticas concretas que falam exatamente sobre o que aconteceu no jogo. O Jogador A deu 55 passes, errou 12, correu tantos quilômetros e fez isso e aquilo.Não há mais como se esconder.

Imagine essa pressão?
O jogador pode chegar em casa e dizer: Hoje eu mereço comer um hambúrguer e tomar uma cerveja. Porém, no dia seguinte, a balança irá mostrar que ele errou, que ele não está seguindo o plano. Ele entrará em campo mais lento e a mídia não irá perdoá-lo. Torcedores vaiando, técnico preocupado, substituição e uma dúvida sobre a renovação de contrato.
E além de todo esse aparato tecnológico verificador que só irá crescer, soma-se o maior vilão. Um fenômeno concreto e invisível ao mesmo tempo. Corruptor de tudo e de todos, o anel do poder que atrai a todos ao mesmo tempo que aprisiona. O capital, o dinheiro, as finanças.
O fenômeno financeiro drenou o futebol.
São bilionários árabes comprando clubes e jogadores como quem compra um brinquedo para os filhos desatendidos. A sombra da manipulação de resultados tomando conta do ambiente. As casas de apostas pagando folhas salariais de todas as ligas, tornando-se os principais patrocinadores dos clubes.

Como dizem no mundo dos roteiros, o vilão precisa ser defendido com sinceridade. Isso significa que ele precisa convencer o público de que seus desejos, apesar de enviesados para o mal, são legítimos e dignos de defesa. E o vilão contra o futebol, claro, possui muitos argumentos legítimos e inquestionáveis. Afinal de contas, como vamos questionar o dinheiro, o lucro, e todas as benesses que ele oferece.
Mas tem muita coisa errada dando certo nesse processo. O dinheiro, o capital, as relações comerciais tomaram o lugar precioso que em algum tempo atrás era de Deus. O dinheiro tornou-se a grande conexão da sociedade. Uma oposição clara.
Sendo assim, podemos apenas falar de comércio. Podemos excluir os ingredientes fundamentais do futebol e deixar apenas as cifras. Excluímos a identificação com os clubes e os fatores que diferenciavam uma camisa da outra. Excluímos a sinceridade dos jogadores. Excluímos as brigas, os cantos de torcida, os xingamentos, o drible e a característica de jogar de cada lugar. Isso não é mais importante pois excluímos o Futebol desse grande evento de entretenimento comercial que se tornou o futebol com letra minúscula. O dinheiro deixa tudo muito grande, porém, vazia de sentido. Ele precisa de tamanho para impressionar, pois é vazio como um balão.
Sendo assim, não há sentido algum para um atleta deixar de simular uma falta quando comete um erro. Trata-se apenas de dinheiro. De comércio. E o mesmo caso que acontece em um chão de fábrica de uma indústria qualquer, acontece no New Big Brother Football. Cera e fingimentos pois ninguém desempenha sua capacidade total durante 8 horas por dia batendo o ponto, tão pouco jogando duas partidas por semana de alta performance.
Sem Deus, o dinheiro tornou-se a grande conexão entre as pessoas. Mas ele não permite erros nem equívocos, nem quer saber de desculpas, pois a cifra é quem manda. Confessar um erro neste contexto é oferecer ao adversário oportunidades de ataque.
Ninguém confessa nada, ninguém erra, ninguém quer perder nenhum centavo. Na verdade, o futebol é só um meio para enxergarmos a nossa própria sociedade.
Estamos vivendo o New Big Brother Live, muito além do futebol.